11 de agosto de 2008

Bandidos brasileiros, estudantes brasileiros e Oscar Wilde em Portugal (duvida?)

Quinta passada dois brasileiros tentaram assaltar uma agência do Banco Espírito Santo (BES) num lugar chamado Campolide, aqui em Portugal (veja as fotos aqui). Depois de algumas horas de negociação sem solução os snipers da polícia atiraram, mataram um e feriram o outro, que está internado o hospital. Por quê conto essa história? Porque as reações mais indignadas que ouvi não foram dos portugueses, mas de estudantes brasileiros de mestrado que moram aqui. Todos manifestavam a revolta dos justos: “malandro em vez de trabalhar (e trabalho há) inventa de roubar. Se o preconceito contra brasileiro aqui já é uma merda, imagine agora?” É claro que a indignação leva ao exagero retórico, mas é interessante notar como brasileiros, digamos, qualificados (na comparação com a maioria dos imigrantes das Terras de Vera Cruz que vem para cá ser trabalhadores braçais) reagem a esse tipo de situação e ao preconceito contra os imigrantes brasileiros, preconceito esse que quase todos eles nunca sofreram diretamente.

Mas daí me pergunto? Ouvir de um português um entusiasmado “você nem parece brasileiro!” (como ouvi algumas vezes) não é uma forma de discriminação positiva? Eu costumo reagir com um muxoxo esnobe porque a frase é, na aparência, um elogio, mas na essência, um insulto que não ousa dizer o nome (para usar o aforismo do senhor Wilde).

Os portugueses adoram os brasileiros, costumo ouvir por aqui (estou em Lisboa desde outubro do ano passado). Mas os portugueses estão cansados dos imigrantes brasileiros mal-educados que fingem esquecer que estão num país que não o deles. No Brasil, a má-educação desses brasileiros é discriminada e reprovada, como aqui. Mas lá eles podem agir impunemente porque representam a si próprios. Eles têm o direito de ser os idiotas que são. E se cometerem crimes serão julgados e punidos. Num país estrangeiro o brasileiro não é dono de si próprio. Mesmo que não queira, mesmo que rejeite com todas as forças, mesmo que renegue a pátria por três vezes, como Pedro a Cristo, ele também representa os vícios e virtudes de sua nação. Os bandidos que tentaram assaltar o BES não eram apenas o Wellington Nazaré e o Nilson Souza (morto na ação); eram, acima de tudo, brasileiros que moravam ilegalmente em Portugal.

A indignação dos estudantes é uma reação demasiado humana: a agressividade é uma forma de estabelecer a diferença por causa do fator comum de ser brasileiro, que, em casos como esse, é uma espécie de marca da besta cravada na testa. Eu, pessoalmente, não me importo com a nacionalidade. Os idiotas são maioria em todos os lugares do mundo. Não tenho mais amigos no Brasil do que os que tenho aqui. Cinco amigos em cada lugar em que se mora é o máximo que uma existência civilizada suporta; é o máximo de gente que se pode reunir num restaurante e conversar sem que seja preciso berrar ou negligenciar qualquer um deles.

Os assaltantes eram brasileiros? Eram. É isso o que fica. Ser brasileiro é uma condição muito mais poderosa do que ser bandido.

7 de agosto de 2008

"PAULO FRANCIS FOI UM GÊNIO QUE VIVEU NA FAVELA DO JORNALISMO. QUIS ESCAPAR. MORREU ANTES"

Do blog de Alexandre Soares Silva :


"Jornalismo
Ouvi uma vez Fernando Morais dizer que quem não se interessa por Antônio Carlos Magalhães não devia ser jornalista, devia ir fazer outra coisa. Acho que esse é exatamente o problema com o jornalismo: um monte de gente que se interessa por Antônio Carlos Magalhães. Isso, e que são gentinha. Mesmo pessoas interessantes como Paulo Francis - cuja morte eu quase, quase chorei - quanto mais jornalista era, quanto mais da patota do Pasquim, mais acanalhado. Quem disse o que ele disse sobre Ruth Escobar (sim, ela mereceu) is no bloody gentleman. Vejo a vida de Paulo Francis como uma luta contra o jornalismo. Daí a sua depressão de dias, depois que seu romance não vendeu o quanto queria. Sentia a necessidade de escapar desse mundo acanalhado das redações, e suspeito que queria escapar até mesmo de alguns amigos, que entrarão para alguma espécie de história só porque tiveram a sorte de viver no mesmo bairro de um gênio. No final, se não me engano escrevendo sobre uma exposição de Matisse, Paulo Francis lamentou o tempo que tinha desperdiçado na vida, lendo e escrevendo sobre Kruschev, Jango, e outras bestas. Foi um gênio que viveu na favela do jornalismo. Quis escapar. Morreu antes. E até hoje os jornalistinhas brasileiros reclamam de seu pseudojornalismo - como se importasse se os seus textos seguiam ou não alguma espécie de cartilha infecta do que é jornalismo. Fico imaginando se um chefinho de redação o forçasse a escrever jornalismo de verdade; ah, as almas secas, cheirando a nicotina, que falam de jornalismo como se fosse uma ciência arcana. O que ele escreveu foi simplesmente as melhores linhas do jornalismo brasileiro, e se o jornalismo o renega, fica decapitado.

Mas enfim. De qualquer modo, juro que nunca fui tão feliz quanto depois que acabou a minha assinatura da Folha. Meu rosto ganhou uma distinção encantadora"