16 de setembro de 2008

IN MEMORIAM DE MIM MESMO

Meus dezessete anos. Ah, meus dezessete anos. Criatividade a mil, energia a toda. Passava noites em claro escrevendo textos que eram, para mim, originalíssimos. Eu delirava imaginando livros: primeiro uma coletânea de contos, depois um romance. Ponto alto desta época: o sol nascendo na Serra do Mar enquanto eu terminava a impressão caseira de um livro intitulado, melancolicamente, In Memoriam.

Minhas ambições literárias atuais se alimentam destas lembranças. Fico me imaginando novamente com aquela energia, vontade e determinação. Olho para a janela e ainda é noite lá fora. Não escrevi nada. Não são nem dez horas e eu estou cansado. Será mais um dia de adiamento.

Criatividade sem produção não é nada. E, no entanto, isso é tudo o que tenho neste momento: vários arquivos com sinopses de livros de ficção e não-ficção que quero escrever. Mas não escrevo. E o rol de desculpas é vasto: falta de tempo, barulho excessivo, medo e, por fim, incapacidade.

É por estas e outras que, hoje em dia, admiro os escritores – qualquer um. Até mesmo os piores. Porque eles tiveram (têm) algo que me falta: coragem. Aquela mesma coragem que eu tinha aos dezessete anos, ao escrever meia-dúzia de lugares-comuns e chamá-los, orgulhosamente, de obras-primas.

(Tirado daqui)

O CHÁVEZ DO ÁRTICO

Li hoje uma comparação interessante: Sarah Palin, a candidata à vice-presidente dos Estados Unidos, seria uma espécie de Chávez do Ártico.

A comparação vem em boa hora. Há tempos estou querendo dizer que uma pessoa que sequer cogite proibir livros em bibliotecas não pode nem se dizer nem ser considerada de direita. Simplesmente porque uma pessoa destas não preza o valor mais precioso do mundo: a liberdade que, em teoria, diferencia direita e esquerda.

O que me leva a mais uma constatação triste: não existe, como acreditam os inocentes, uma polarização na política norte-americana (não vale a pena nem falar do Brasil…). Não existe esquerda e direita. O que existe são formas diferentes (mas não antagônicas) de controle. De um lado, o controle das minorias, do politicamente correto, dos impostos, da distribuição à força de renda; de outro, o controle do fundamentalismo religioso, da paranóia e do nacionalismo extremado.

(Tirado daqui)

A VOLTA DO BOÊMIO - I


"No trato com o idioma, o escritor se vê diante da tarefa de transformar uma meretriz comum numa virgem."
Karl Kraus

(Tradução deste escrevinhador)

QUEM É O GÊNIO QUE ESCREVE OS ANÚNCIOS DA CERVEJA SKOL ? UM PROFESSOR DE PORTUGUÊS PARA ELE, URGENTE!

Se ninguém se der ao trabalho de apontar as demonstrações públicas de ignorância, o que será da Última Flor do Lácio ?

Quem será o genial redator encarregado dos textos dos anúncios da cerveja Skol exibidos na TV?

A última imagem do anúncio é um letreiro que avisa:

"Se for dirigir não beba"

A não ser que tenham revogado as mais elementares regras de pontuação, há uma vírgula obrigatória entre o "dirigir" e o "beba".

Se for dirigir, vírgula, não beba"

Mas os grandes gênios da publicidade fazem questão absoluta de escrever errado ( ver outros posts sobre anúncios que trazem, por exemplo, a palavra "antibraço" (!) e a expressão "encarar de frente").

Aposto minha mão direita como os criadores deste anúncio estão neste exato momento fazendo palestras para estudantes ingênuos, com a pose característica: a de reis da cocada preta.

Ah, Nossa Senhora das Vírgulas e dos Verbos, por que será que o estoque de imposturas parece interminável ?

VISITA À CHATOLÂNDIA - 1


Crianças sonham em ir à Disneylândia. Vou fazer uma confissão: sonhei que estava num imenso parque chamado Chatolândia.

Que coisa...

Logo na entrada, numa espécie de palanque, um coral emite trinados de variados decibéis, para dar as boas-vindas aos visitantes. Aproximo-me do palco: lá estão Oswaldo Montenegro, Elba Ramalho, aquelas mulheres que só cantam músicas de Chico Buarque, uns rappers paulistas, um grupo de seresta cantando Peixe Vivo, Marcelo Camelo, Carlinhos Brown, os Engenheiros do Hawai, cantoras gordas de bossa-nova fazendo "ba-da-ba-da-ba-da-baiá-ba-da-ba-da-baiá", um repórter de televisão pronunciando trocadilhos em série, uns índios encenando a dança da chuva em torno de uma fogueira cenográfica, um conjunto de forró repetindo os versos de Asa Branca, um publicitário se elogiando diante de um espelho, um aparelho de TV exibindo comerciais da NET, um locutor lendo com voz empostada artigos do caderno "Mais" (Folha de S.Paulo), atores e atrizes querendo parecer engracadinhos em anúncios de companhias telefônicas, um ecologista discursando sobre "sustentabilidade". Misturados, os sons formam uma trilha indescritível.

Imobilizadas pelos pais para não fugirem das cadeiras em desabalada carreira, crianças choram na platéia. O espetáculo, como se dizia antigamente, é "dantesco". Mas vou em frente. Um imenso painel, à moda dos dazibaos chineses, exibe as certidões de nascimemto dos personagens que habitam o palco. Todos, absolutamente todos, têm os mesmos nomes: "Chatolino da Silva Xavier" e "Chatolina da Silva Xavier". Imagino-me num filme barato de terror: todos os personagens que me rodeiam se chamam ou Chatolino ou Chatolina.Como poderei distinguir uns dos outros ? A quem poderei pedir socorro para sair daquele labirinto ?


Penso: deve ter havido algum engano. Não estarei no inferno, por acaso ?
Como se tivesse ouvido meus pensamentos, uma atendente com sotaque paulista me saúda: "Boa tarde! O senhor acaba de entrar na Chatolândia! Nós estaremos disponibilizando um guia. Assim, o senhor estará aproveitando ao máximo a visita! ".

Acordo coberto de suor, com o coração aos pulos.

O pior: um minuto depois que voltei a dormir, o pesadelo recomeçou. Quando, afinal, acordei, já manhã alta, tive o cuidado de anotar o que vi na excursão à Chatolândia.

Em breve, contarei, aqui, neste Batcanal.

A PORTA

Olho para a nova porta da sala : tenho a clara impressão de que já a conhecia de algum lugar. A porta: aquela superfície plana, monótona, sem nuances.


Ah, já sei! Tudo não passou de uma pequena confusão: confundi a coitada da porta com aquele ator que faz papel de jornalista da novela das oito, Carmo alguma coisa.

Acontece...