23 de julho de 2008

DE REPENTE, AS TRANCINHAS TOMAM O VÍDEO


Noticiário esportivo na TV. De repente, sem aviso prévio, uma figura se materizaliza.

Cabelo cheio de trancinhas. Brinco na orelha.

O que é aquilo ?

É Ronaldinho Gaúcho, crianças. Parem de chorar. Vão tomar um copo de água com açúcar.

O susto passa rápido.

ELES DEMORAM,MAS CHEGAM: OS TROCADILHOS NA TV!

Aposto minha mão direita e meu cérebro ( que nem valem tanto) : já, já, começará o grande festival de trocadilhos em reportagens sobre as Olimpíadas.

Faça-se um bolão.

Quantas vezes a expressão "negócio da China" aparecerá em reportagens sobre aquele chatíssimo festival de disputas esportivas que assolarão os vídeos e as páginas dos jornais em agosto ?

a) 50 vezes
b) 75
c) 348


Uma cena típica: o atleta pobrinho ganha uma medalha. Uma voz melosa diz :

"trocar o chão de terra batida do interior do Nordeste pelo pódio de Pequim foi............um negócio da China"


As reticências indicam que haverá uma pausa irritante entre "foi" e "um negócio".

É assim. Sempre foi. E será.

POR QUE A HUMANIDADE É INVIÁVEL

Perdoai-me, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto. Humildemente, eu me ajoelho a vossos pés nesta noite invernal de julho para vos confessar dois pecados :

estava zapeando quando vi, neste momento, meia-noite e meia, um cantor brega de cabelo pintado, brinco na orelha e um imenso rabo-de-cavalo cantando uma música cafoníssima em espanhol. Como se não bastasse o horror visual e auditivo, ele desabotou a camisa e exibiu o peito cabeludo, para parecer "sensual". Chama-se Elimar de Tal.

Nem faz vinte e quatro horas, eu já tinha visto Júnior, aquele irmão de Sandy, dando entrevista na platéia de um show da Família Lima. Um detalhe: ele exibia um corte de cabelo moicano.

Minhas retinas fatigadas jamais se recuperarão do duplo golpe: Elimar de Tal e Júnior de Tal. Dispenso-me de tecer maiores considerações sobre a Família Lima ( o que é aquilo, Deus do Céu ? Uma voz celestial me responde que "Família Lima" é a alcunha de um conglomerado de bípedes que guardam entre si três características básicas : são geneticamente interconectados pelos genes da chatice, usam - ou usavam - rabos-de-cavalo patéticos e vestem-se apropriadamente de luto para arrancar sons insuportáveis de violinos).

Ah, Nossa Senhora do Perpétuo Espanto: eu me penitencio. A culpa foi minha. Quem mandou ficar zapeando ? Por que não usar este tempo passeando os olhos por um bom livro ? Mas, não. Preferi o risco de usar o controle remoto.

Resultado: confirmei, pela enésima vez, que a Humanidade é inviável.

17 de julho de 2008

PAULO FRANCIS, O QUE SABIA COMO ESCREVER SEM CAIR JAMAIS NA CHATICE

Quando Paulo Francis entrou na redação do Fantástico, para uma “visita de cortesia”, produziu em torno si uma onda de silêncio que misturava curiosidade e reverência. O homem era uma estrela. Mas, “humildemente”, veio agradecer o destaque o programa tinha dado, na véspera, à entrevista que fiz com ele.

Ok : desde já, quero confessar ao distinto júri que sei do risco que corro ao usar a expressão “humildemente” num parágrafo que trata de Paulo Francis. As duas entidades, graças a Deus, eram incompatíveis: Francis e a humildade. Uma não se misturava com a outra. Eram como água e óleo. A referência a um lampejo de humildade em Francis deve produzir frouxos de riso em quem teve o privilégio de conhecê-lo. Mas, em nome da verdade factual, devo dizer que, sim, ao visitar a redação do Fantástico Francis teve um gesto de humildade. Ou seria gentileza ? Cravo nas duas alternativas. A imagem pública de “lobo hidrófobo” não combinava com o Paulo Francis no trato pessoal: um gentleman.

Paulo Francis tinha acabado de lançar um excelente livro memorialístico sobre o golpe de 1964, “Trinta Anos Esta Noite”. Eu tinha gravado uma longa entrevista com ele numa praça escondida nas proximidades do Jardim Botânico. Procurávamos um lugar razoavelmente silencioso para a gravação. O sucesso da busca foi parcial: crianças brincavam nas redondezas. As babás ficaram indiferentes à presença de Francis, mas pelo menos trataram de vigiar os passos de fedelhos que brincavam na praça.

Três anos depois, um ataque cardíaco fulminante matou o mais polêmico,o mais lido e o mais provocativo jornalista brasileiro, na manhã do dia quatro de fevereiro de 1997, em Nova York. Dizer que “Paulo Francis faz falta” virou um enorme lugar-comum. Mas é uma verdade puríssima: o texto de Francis faz uma falta imensa ao jornalismo brasileiro. Uma vez, ele escreveu: “Nossa imprensa: previsível, empolada, chata: como é chata, meu Deus...”. Em cem por cento dos casos, o que Francis escrevia escapava da chatice generalizada. Francis vivia reclamando de que era preciso criar no Brasil uma tradição: a de uma “prosa clara e instruída”. É o que há em outras culturas: a tradição de uma prosa clara e instruída, uma atividade que, no Brasil, tinha poucos cultores. Aqui, pensam que escrever difícil é escrever bem. Ledíssimo engano.

A contribuição que Paulo Francis deu para a criação de uma prosa jornalística “clara e instruída” ainda não foi devidamente avaliada. Onde é que estão os acadêmicos – que não tratam de demonstrar “cientificamente” esta herança ? É uma tarefa facílima. Ninguém precisava concordar com uma vírgula do que ele dizia. O importante é como ele dizia.

Livros como “O Afeto Que se Encerra” e “Trinta Anos Esta Noite” deveriam ser leitura obrigatória nas escolas de jornalismo – pela clareza cristalina, pela fluência absoluta, pelo ritmo agradabilíssimo do texto. É o que vale.
O nome de Francis voltou às páginas neste ano da graça de 2008 com o lançamento de um romance inédito que ele deixou, “Carne Viva”. É um presente para os fãs do auto-declarado “lobo hidrófobo” ( Uma vez, perguntei a ele como é que ele – que, quando criança, alegadamente exibia um ar de cão hidrófobo – se definiria na maturidade. Francis respondeu: “Que tal lobo hidrófobo” ? )


Publicado pelo selo Francis da Editora Landscape, este bem-vindo sinal de vida de Paulo Francis acaba de chegar às boas casas do ramo. Resenhistas já notaram que, quando personagens do romance abrem a boca para falar do estado geral das coisas, parece que é o próprio Francis quem fala. A “confusão” poderia parecer um defeito do romance. Mas eu diria que é uma virtude. Ainda bem que é possível ler de novo o que parece ser a voz de Francis. Há trechos do livro que – felizmente – parecem tirados da coluna fantástica que Francis publicou durante anos e anos na imprensa.
Trechos de “Carne Viva” :

“Em que mundo vive essa gente ? Numa fantasia de fraternidade, que se fosse levada a sério voltaríamos todos à lavoura, ao arado, à carroça de bois. Cobiça é o que faz o mundo girar. Quando a cobiça é saciada, e nunca o é completamente, pessoas como Sua Exa. E your obedient servant investem em empregos, filantropia e arte”

“Tinha ido a algumas noites de autógrafos de personalidades que Temístocles queria agradar,como políticos, autores de memórias, e ficava na fila conversando e, discretamente, namorando, se valesse a pena. Perguntou a um diplomata e escritor, Gilberto Amado, se um livro, pelo qual estavam esperando o jamegão do autor, iria vender. Ele sorriu e disse que “venderia o que vender aqui”, uns quase duzentos exemplares. O resto seria dado”.

“Chega de falar mal do Brasil. Não há países, nações. Há ambientes, pessoas, a maneira que nos conduzimos com nossos amigos, parentes e relações. Se formos uma pessoa de bem, e só o bem é radical, como escreveu Hannah Arendt, não há por que não levar uma vida boa, enquanto tivermos saúde e não deixarmos que nossa vontade seja violada ou espatifada”.

16 de julho de 2008

JOVEM, ALISTE-SE NA GRANDE GUERRA CONTRA O NADO SINCRONIZADO!

O confrade GMN (quem mandou não estudar ? se tivesse estudado, o bicho estaria hoje exercendo alguma profissão realmente útil, em vez de passar a vida cometendo jornalismo impunemente...) lançou, diante da meia dúzia de leitores deste blog, um ataque contra as praticantes de nado sincronizado.

Devo dizer que discordo.

O ataque não esteve à altura da enormidade do horror que é o nado sincronizado, uma modalidade esportiva incrivelmente admitida nos jogos olímpicos.

Se houvesse justiça no planeta, não apenas os praticantes mas, especialmente, os espectadores do nado sincronizado deveriam ser objeto de asco, pena e desprezo perpétuos por parte de todos os viventes.

O aviso fica dado: todos alertas! As Olimpíadas vêm aí! Protejam as crianças! Cuidado com o nado sincronizado : não deixem que elas sejam surpreendidas pelo espetáculo dantesco daqueles pezinhos se movendo ridiculamente na superfície da água!

12 de julho de 2008

SOCORRO ! OS PEZINHOS DO NADO SINCRONIZADO VÊM AÍ!

Socorro ! Tirem as crianças da sala ! Tranquem as portas ! Contratem seguranças particulares !

Motivo: as Olimpíadas vêm aí. Com elas, duas desgraças que assolam nossos olhos e ouvidos de quatro em quatro anos: o festival de subliteratura que jorra dos vídeos e dos páginas em reportagens sobre "superação". Haja textinho pauperriminho descrevendo a saguinha de menininho pobrinho que andava cinquentinha quilômetros para treinar para a maratona. Como diria Jaqueline Kennedy ao recolher os miolos do marido estilhaçados pelas balas de Lee Oswald em Dallas: "Oh, no!".

O mais assustador : o espetáculo do nado sincronizado. Ah, Nossa Senhora do Espanho: o que é que faz seres bípedes, mamíferos, supostamente cerebrados, ficarem de cabeça para baixo dentro de uma piscina enquanto movem os pés sincronicamente diante dos olhos atônitos do planeta ?

Se crianças inocentes e desprevenidas pousarem os olhos na TV justamente neste momento, o que é que pensarão sobre a espécie humana ? Por que fazê-las carregar , pelo resto de seus dias, traumas de que jamais se livrarão ? Quantos mil reais os pais terão de gastar, depois, com psicólogos que serão convocados para a vã tarefa de trazê-las de volta à sanidade ? O prejuízo, para os cofres privados e também para os públicos, é "inestimável".

Os riscos a que se expõem os espectadores das competições de nado sincronizado são,portanto, gravíssimos.

Prefiro um bom filme do velho e infalível Fred Kruger.

É mais divertido.

E menos assustador.

Pior do que assistir a um espetáculo de nado sincronizado, só há uma cena : ver um jornalista pontificando sobre o que é que interessa e o que é que não interessa ao distinto público.

É triste mas é de matar de rir.

Eu mesmo dou dez voltas na tumba, a cada vez que testemunho uma cena dessas.

A vida pode ser engraçada. Quem disse que não ?

10 de julho de 2008

PERGUNTAS, CONSIDERAÇÕES E APELOS NUM DIA DE SOL MORNO

1. Em nome de todos os santos, pelo amor de Deus, alguém precisa avisar a repórteres de TV que o trocadilho é o lixo do texto. O maior engano da história do jornalismo - impresso ou televisivo - é imaginar que trocadilhos são capazes de dar "qualidade" a um texto capenga. Não dão. São, em noventa e nove por cento dos casos, infames. Deveriam ser sumariamente banidos, em nome do bem estar dos ouvidos alheios. Mas, não. Transformaram-se em peste televisiva. A saída: tirar o som quando trocadilhistas dão sinal de vida. Ou mudar de canal. Ou, o que é ainda melhor, desligar a TV, que, a bem da verdade, não passa de um eletrodoméstico metido a besta.

2. Pode existir, sob o sol do Brasil, assunto mais chato do que essas discussões infindáveis sobre se Capitu traiu ou não traiu Bentinho ? Não pode. "Se vivo estivesse", Machado de Assis certamente exalaria um suspiro de tédio diante dessas contendas inúteis. Aliás, por que diabos chamam Machado de Assis de "Bruxo" ? Isso é coisa de jornalista desocupado ( ou um deslize de Carlos Drummond, autor de um poema em que recorre ao título maldito ao falar de Machado de Assis)

A esse respeito, louve-se a atitude de Augusto Nunes: não faz tempo, ele notou, no Jornal do Brasil, que jamais, em tempo algum, os moradores dos estados banhados pelo São Francisco chamaram o rio de "Velho Chico". Mas é inevitável: o rio será sempre chamado de "Velho Chico" naquelas reportagens em geral publicadas nas chatíssimas edições dominicais dos nossos jornalões. Alguém já imaginou um morador "ribeirinho" dizendo: "Vou ali tomar um banho no Velho Chico. Volto já! ". Não. É inimaginável.

"Velho Chico" ? "Bruxo do Cosme Velho" ? Trocadilhinhos na TV ? Ah, não.
Rendo-me de uma vez por todas à crença de que não há remédio para a humanidade.

Primeiro, eu desconfiava. Olhava de soslaio para a espécie humana e ruminava: "São todos patéticos - inclusive eu, é claro".

Hoje, a desconfiança evoluiu para uma certeza pétrea, irremovível, irrevogável: tudo não passa de um circo sem sentido, somos todos ridiculamente patéticos, chamamos Machado de Assis de "Bruxo do Cosme Velho" e o Rio São Francisco de "Velho Chico" - e fica o dito pelo não dito. Nenhum raio cai sobre nossa cabeça, nenhuma bomba de hidrogêneo desaba sobre nossas carcaças para animar a festa.

É assim. Sempre foi. Mas, como contrapeso a esse infindável somatório de equívocos, fica o registro de que Luiza Brunet, com todo respeito, continua bonita. E gostosa.

4 de julho de 2008

PELO AMOR DE DEUS, "UM ÓCULOS" NÃO!

Lá vinha eu, entretido com o noticiário da rádio, quando, sem aviso prévio, a locutora ( ou "âncora") começa a falar sobre o roubo dos óculos da estátua de Carlos Drummond de Andrade.



Aos forasteiros, diga-se, aliás, que o Rio de Janeiro é a única cidade do mundo em que se roubam óculos de estátuas....



Quando começa a comentar o ocorrido, a âncora da emissora de rádio fala de "um óculos". Depois, repete a barbaridade duas, três, quatro vezes: "Um óculos....".



Deus do céu: fico pensando que profissão é esta, o Jornalismo, em que um ser humano passa quatro anos na faculdade e sai pelo planeta dizendo "um óculos".



Lástima: gente que não sabe diferenciar um plural de um singular acha-se perfeitamente preparada para transmitir a nós, ouvintes otários, as notícias do mundo.



Comigo não, violão.



Desligo o rádio.



Passo a relinchar alegremente. O ruído do relincho faz menos mal aos ouvidos do que alguém dizendo "um óculos".

Gente que não deve nada à língua, como cantores de pagode, zagueiros centrais,
celebridades que posam para a Caras, pode até dizer "um óculos" impunemente.
E certamente diz, satisfeita com a própria ignorância.

Mas jornalista que fala - e escreve - para o público não pode cometer tais barbaridades.

É simples assim: não pode. Porque a língua é o instrumento de trabalho de quem escreve. Não pode nem deve ser pisoteada publicamente por quem, em tese, teria a obrigação de zelar por ela.

O rádio continuará desligado.