Guerras civis, muitas vezes, duram muito tempo, às vezes décadas. Angola, por exemplo, foram quase 30 anos. Na Colômbia, as batalhas entre guerrilheiros esquerdistas e os sucessivos governos já passam dos 40 anos. O custo social, sabemos, é altíssimo. É também o caso do Rio de Janeiro, onde a Guerra do Pó recrudesce a cada ano. Como as balas vão continuar cravejando o corpinho fashion de São Sebastião por ciclos angolanos ou colombianos, é recomendável que os repórteres dos telejornais das grandes emissoras atualizem e adequem a linguagem e o vocabulário para que os espectadores compreendam melhor a cobertura dos fatos.
Os editores, ao escreverem as "cabeças" lidas pelos apresentadores chamando as reportagens, deverão qualificar o repórter que está no front dos morros e favelas como "correspondente de guerra". "Neste momento, nosso correspondente de guerra está no Morro do Borel". É preciso valorizar uma das profissões mais perigosas do mundo, o correspondente de guerra. É famosa a advertência feita por Assis Chateaubriand ao correspondente da Segunda Guerra Mundial e colaborador deste blog, Joel Silveira. "Seu Joel, não morra, para que possamos receber os seus despachos da guerra".
É necessário que editores e repórteres compreendam que não faz mais sentido usar expressões como esta: "No Morro de Santa Marta, onde nasceu o grande Luis Melodia, dominado pelo tráfico...." O tráfico domina hoje todo o Rio de Janeiro e não apenas determinado morro. Além do mais, está politicamente incorreto, porque estigmatiza as comunidades que tanto contribuíram para a renovação da Música Popular Brasileira. O correto é dizer: "o tráfico, que já domina todo o Rio de Janeiro, está sendo combatido pela polícia no Morro de Santa Marta..."
Já que a polícia entrou em cena, os telejornais também devem atualizar algumas expressões quando se referem a essa faccão. Os textos se revelam obsoletos ao denominar essas forças de combate como Polícia Militar, Polícia Federal etc. Os chefes de redação deveriam obrigar repórteres e editores a assistirem aos mais de cem filmes de Cangaço feitos no Brasil. Polícia, seja qual for, a partir de agora, é Volante. E os soldados, Macacos. O resgaste dessa gíria arcaica é uma homenagem ao nosso histórico banditismo rural, hoje bem representado por outras forças como a UDR e o MST.
As vítimas da Guerra do Pó do Rio de Janeiro serão chamadas pelo jargão militar de "baixas". Os telejornais também devem informar o número diário de baixas da violência carioca. Basta usar o site contador de mortes do Rio. É um site imparcial, que não toma partido no saldo de baixas dos lados envolvidos no conflito. Como sugestão, os editores deveriam vincular a conta diária de mortos, logo depois do câmbio do dólar e do movimento na Bolsa de Valores. Stálin, com a sua estatística psicopática, já avisara que a multidão não se comove com grandes números. Portanto, a seção Junta-Cadáveres não incomodará o público.
Num quadro de guerra civil como a do Rio de Janeiro, onde várias facções disputam o poder, é inteiramente descabido continuar usando a expressão "chefe do tráfico". Deve-se importar do tribal Afeganistão a terminologia "senhor da guerra". Então, quando o repórter descrever uma situação de conflito no Morro da Viúva, ele dirá assim: "A volante do "senhor da guerra" Sergio Cabral Filho trocou tiros durante quarenta horas com a milícia do "senhor da guerra" Marcinho VP. Três macacos saíram feridos...."
Os repórteres e editores devem fazer um curso intensivo sobre as Convenções de Guerra, subscritas pelo Brasil. Só assim poderão relatar e até denunciar, com segurança, os abusos contra os direitos dos prisioneiros de guerra que eventualmente possam ser cometidos pelas facções envolvidas na Guerra do Pó. Lembrem-se do que está acontecendo em Guantánamo, onde as arbitrariedades feitas contra os prisioneiros de guerra (a maioria crianças e adolescentes) têm manchado a reputação dos Estados Unidos. Não se pode permitir que a Imprensa internacional denigra a boa imagem do Brasil por causa de excessos.
Antes que o Rio de Janeiro se torne a Somália da América Latina, deve-se cobrar, nos telejornais diários, uma atitude mais pró-ativa do Cristo Redentor. A oportunidade é excelente, já que ele está em plena campanha eleitoral. O Cristo, com sua passividade petrificada, tem sido acusado de proteger mais os "senhores da guerra" do tráfico do que a população civil. Os dízimos, butim de guerra, não estão sendo suficientes? Faça-se uma campanha arrecadadora, tipo "Criança Esperança", com opções variadas de doações.
O sotaque de Madureira dos repórteres, contribuição milionária à língua dos degredados portugueses tanto quanto o disco "Araçá Azul", deve ser mantido. Nesse aspecto não há muito o que fazer. Como em toda guerra civil, o idioma, assim como a liberdade de expressão, é uma das primeiras baixas. Com o novo manual de redação em vigor nos telejornais, o Rio de Janeiro certamente continuará lindo, continuará sendo um dos lugares mais perigosos para se morar, viver ou cruzar pelo seu espaço aéreo.
Aos saudosistas de um Rio que não existe mais, sempre resta imaginar que a lancha que cruza neste momento a Baía da Guanabara carregada de cocaína e armas pesadas para a Guerra do Pó é "o barquinho vai, o barquinho vem" da Bossa Nova.
"Estou morrendo de saudades, Rio, você foi feito pra mim..."