15 de agosto de 2007
Grandes frases avacalhadas
PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 5
Desprendo os dedos do teclado. É imperativo. Sinto que vacila a velha máquina, antes tão fiel, tão submissa, tão ingenuamente certa do que fazia. Vacilam os tipos, vacilam as palavras que não querem ser mais usadas, porque aprenderam que nunca foram ou serão ouvidas. Esmaecidas e exaustas, as teclas parecem implorar:
-Deixa-nos em paz. Não vês que perdemos a voz ?
Joel Silveira, datilografado por GMN
PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 4
Ir aos poucos, com lucidez e cálculo, e sem qualquer arroubo, cortando as pontes atrás de si : um prazeroso, estimulante exercício.
Joel Silveira, datilografado por GMN
PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 3
Tudo - pessoas, acontecidos e lembranças - vai se tornando cada vez mais remoto. Eu próprio : pode haver coisa mais remota ?
Joel Silveira, datilografado por GMN
PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA - 2
Velho desejo meu: evitar o futuro. Estou quase conseguindo.
Joel Silveira, datilografado por GMN
PÍLULAS DE VIDA DO DOUTOR SILVEIRA
Como me alegra apito de navio se despedindo ! É como se eu estivesse dentro dele.
Joel Silveira, datilografado por GMN
Reencarnação
Doutor Silveira no inferno
- Inclusive patenteado.
- Perdeu o poder amedrontador. O aquecimento global, meu filho, fez um... como dizem os banqueiros, fez um downgrade nos títulos de longo prazo da traquitana. A piada mais fácil seria o caldeirão de um certo Hulk, mas televisão é covardia.
- Que diabos...?!
- E o enxofre? Tem enxofre? Não pode ser mais fétido que um lixão. Que o Senado Federal.
- ...Você é insolente, hein?
- Para meditar ainda mais: o Cérbero aquele é páreo para os pitbulls devoradores de bebês.?
- Basta! Cala e não bufa!
- No Brasil dizem que Deus é brasileiro. Eu digo que no Brasil o Diabo ainda está tentando juntar a papelada para pedir asilo.
TEORIA ANTROPOLÓGICA SOBRE O COMPORTAMENTO DOS POLÍTICOS
A evolução humana pode ser dividida em dois grandes períodos históricos, a saber: ADS e DDS. Ou seja, Antes da Ducha de Sanitário e Depois da Ducha de Sanitário. No princípio, nossos ancestrais faziam suas necessidades por toda parte, sem preocupação com o asseio e, muitas vezes, melando outros indivíduos. O que leva a crer que o comportamento dos políticos é atávico e se origina naquele ponto de nossa história.
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(Mais, aqui: http://marconileal.blogspot.com/2007/05/breve-histria-da-humanidade-uma.html)
DPJN
— Ando pensando muito sobre eles...
— Eles quem?
— Nossos filhos...
— Ué? Mas se a gente nem tem filhos!
— Mas vai ter. Ou não vai ter? E por acaso o fato de a gente não ter filhos impede que se pense sobre eles? É cada uma...
— Ai, já sei! Tu tá com DPJN de novo, né?
— DPJN?
— Depressão Pós-Jornal Nacional. Todo dia é isso agora. Tu não pode mais ver o Jornal Nacional que fica aí, pensativo, mais imprestável que cinco congressistas.
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(Mais, aqui: http://marconileal.blogspot.com/2007/05/filhos.html)
DO SUBDESENVOLVIMENTO
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Para mim, a maior prova de que o Brasil é o país do futebol não é a grande difusão que o esporte tem por aqui e sim o fato de que, por estas terras ingratas, se o indivíduo ironiza Mainardi ou Olavo de Carvalho, é imediatamente considerado petista e se, pelo contrário, mete o pau no PT ou critica o governo, faz parte do complô da grande mídia para derrubar o Lula. Ou seja, o brasileiro é um ser politicamente tão maduro quanto um integrante da Gaviões da Fiel.
A VIDA IMITA O POETA NA MORTE DE JOEL SILVEIRA: O AGENTE FUNERÁRIO CHEGOU NA HORA. E A PLACA DO CARRO ERA LFR 1236
Faz pouco tempo, o Sopa de Tamanco publicou um belo poema de Lawrence Ferlinghetti. O poeta diz, com outras palavras, que o mundo é um belo lugar, mas um dia, cedo ou tarde, ele virá : o agente funerário sorridente.
E o agente veio. Acabo de sair da casa de Joel Silveira. Não quis ver a saída do corpo. A Santa Casa de Misericórdia avisou que o agente chegaria às duas horas. Pensei comigo: "Com a pontualidade brasileira, ele vai chegar lá para as quatro da tarde".
Engano. Nem uma hora e cinquenta e nove minutos nem duas horas e um : eram duas em ponto quando o agente apertou a campainha, no apartamento de Joel Silveira, no sexto andar de um prédio da rua Francisco Sá, em Copacabana.
O agente encenava, sem suspeitar, o poema de Lawrence Ferlinghetti.
Era como se dissesse: tudo pode atrasar no Brasil, mas a morte, quando vem, chega exatamente na hora, sem tolerância. Nem um segundo de atraso.
Desci do sexto andar. Lá embaixo, tive o gesto inútil de observar a placa da Kombi branca da Santa Casa de Misericórdia: LFR 1236. A Kombi trazia, nas laterais, o nome da Santa Casa e o telefone: 0800 257 007.
Joel tinha inveja de um personagem de Victor Hugo que, minutos antes de ser guilhotinado, dizia, resignado, que estava pronto para a execução,mas "gostaria de ver o resto". Ou seja: o personagem gostaria de descrever a própria morte.
Que palavras Joel usaria ?
Quanto a nós, discípulos e aprendizes, já não há o que fazer, além de anotar a placa da Kombi : LFR 1236, três letras e quatro números amargamente inúteis.
É assim que uma vida se acaba, exatamente no meio de agosto.
O poema de Ferlinghetti:
''The World is a beautiful place to be born into
If you don't mind happiness not always being so very much fun
If you don't mind a touch of hell now and then just when everything is fine
because even in heaven they don't sing all the time
(...) Yes, the world is the best place of all
for a lot of such things as making the fun scene
and making the love scene
and making the sad scene
and singing low songs and having inspirations
and walking around
looking at everything
and smelling flowers
and goosing statues
and even thinking and kissing people and
making babies and wearing pants
and waving hats and
dancing and going swimming in rivers
on picnics in the middle of the summer as just generally ''living it up''
Yes, but then right in the middle of itcomes the smiling mortician''
Joel Silveira: frases que ficam (VIII)
(Especial sobre Joel Silveira em Bruno Garschagen)
Joel Silveira: frases que ficam (VII)
(Especial sobre Joel Silveira em Bruno Garschagen)
Joel Silveira: frases que ficam (VI)
(Especial sobre Joel Silveira em Bruno Garschagen)
Joel Silveira: frases que ficam (V)
(Especial sobre Joel Silveira em Bruno Garschagen)
Joel Silveira: frases que ficam (IV)
(Especial sobre Joel Silveira em Bruno Garschagen)
Joel Silveira: frases que ficam (III)
(Especial sobre Joel Silveira em Bruno Garschagen)
Joel Silveira: frases que ficam (II)
(Especial sobre Joel Silveira em Bruno Garschagen)
Joel Silveira: frases que ficam
Joel Silveira, ou o mundo que acaba não com uma explosão, mas com um lamento
A história que imediatamente lembro e divulgo à boca grande ao surgir o nome do jornalista numa conversa é aquela em que ele, logo depois de ser escolhido enviado especial à Itália para cobrir a segunda guerra, vai conversar com Chatô, o dono dos Diários Associados. E daí Chatô diz: “Ô seu Joel o senhor vai lá cobrir a guerra, mas, não vá me morrer, hein, seu Joel! Repórter é para mandar notícias, não para morrer! (não lembro se foram exatamente essas palavras, mas assim fica bom).
Recorrendo outra vez à minha memória, que é péssima e estou sem acesso aos meus livros, tem outra história fantástica, quando Joel e um colega jornalista foram entrevistar, nos anos 1950 se não me engano, um ditador de um país da América Central, que acho que a República Dominicana. À espera do ditador na monumental sala, os dois são extremamente bem-tratados, com quitutes, acepipes e bebida farta. Eis que chega o ditador, todo afagos e sorrisos, e a conversa avança. Lá pelas tantas, entra sala adentro em desabalada carreira uma criança lépida e fagueira. Abraçou o ditador, que se abria mais ainda em sorrisos e afagos. Assim que a criança deixou o recinto, Joel, querendo ser gentil, lascou essa:
- ¿Su nieto, presidente?
O ditador, com cara de general em campo de batalha, levantou-se, olhou para Joel e torpedeou:
- Mi hijo!
Mal a frase saiu da boca, o homem já ordenava aos jornalistas que deixassem o recinto, a conversa acabava ali. O ditador admitia poucas coisas, o que não incluía ser chamado de avô do filho.
Joel fica pelo texto, pelo humor, pelo trabalho notável como jornalista, pela vida, pela ética, pelo uísque, que volta a ser compartilhado com Rubem Braga.
(Especial sobre Joel Silveira em Bruno Garschagen)
MAINARDI E O PORCO
— O Astrogildo não é um porco qualquer, mulher. Ele curte Pink Floyd e abana o rabo quando declamam Baudelaire. Se bem que ele prefere Verlaine. Pela musicalidade. Né, Astrô? Gute, gute, gu!
— Alcides, você vai sair com esse bicho daqui agora! Agora, tá ouvindo? Onde é que tu conseguiu essa... essa coisa?
— Rifa. Sortearam lá na repartição. Queriam fazer churrasco, mas eu não deixei. Me apeguei ao bichinho. Ele não é a cara do Diogo Mainardi? Gute, gute, gu!
— A cara, eu não sei. O espírito, certamente. Ai, não chega perto! Sai com esse bicho daqui! Sai!
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(Texto completo, aqui: http://marconileal.blogspot.com/2007/04/sensibilidade.html)
ANIMAIS
Talvez por ter sido criado por minha mãe, para quem o chiuaua é uma violenta criatura da floresta, não tenho assim muita intimidade com mamíferos que não sejam de nossa espécie — exceção feita aos advogados.
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(Mais, aqui: http://marconileal.blogspot.com/2007/04/flfi.html)
TEMPOS ATRÁS, NA PALESTINA
— Sr. Pedro?
— Pois não.
— Polícia.
— Polí... Mas... Não me diga que...
— Problemas com seu imposto. Houve um conflito de informações com relação à fonte pagadora. Nos acompanhe, por favor.
— Já disse mais de mil vezes. Jesus me fez pescar, tirar o dinheiro de dentro de um peixe e...
— Por aqui, senhor Pedro.
— Eu juro!
— Por favor...
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(Texto completo, aqui: http://marconileal.blogspot.com/2007/08/pequenos-incidentes-ocorridos-na.html)
Lembranças insensatas
nem fiques a pensar: “Ele era assim...”
Mas senta-te num banco de jardim,
calmamente comendo chocolates.
Aceita o que te deixo,
o quase nada destas palavras que te digo aqui:
Foi mais que longa a vida que eu vivi,
para ser em lembranças prolongada.
Porém, se um dia, só, na tarde em queda,
surgir uma lembrança desgarrada,
ave que nasce e em vôo se arremeda,
deixa-a pousar em teu silêncio,
leve como se apenas fosse imaginada,
como uma luz, mais que distante, breve.
Grandes filmes repatrocinados
Reciclagem de piadas
A saber:
Swinger = deputado. 'O swinger Valdemar Costa Neto, ex-PL, atual PR, está flertando com o PSOL.'
Câmara = Bahamas. 'A Bahamas dos Swingers decidiu instalar uma CPI dos blogs.'
JOEL SILVEIRA MORREU
Eis uma notícia que eu não gostaria de dar : a morte do maior repórter brasileiro.
Joel Silveira morreu dormindo às oito horas da manhã desta quarta-feira, em casa, na rua Francisco Sá, em Copacabana. Nasceu em Sergipe, no dia 23 de setembro de 1918. Tinha oitenta e oito anos, portanto. Vivia no Rio desde 1937. Com a saúde debilitada, deixou instruções: não queria velório. Pediu para ser cremado o mais rápido possível.
Disse-me, por telefone, há poucos dias :"Geneton, estou morrendo. É o fim". Há dez dias, em casa, tinha disposição para conversar.
O que fica ? Um excepcional trabalho jornalístico: os textos de Joel sobre a guerra são clássicos. Páginas como a descrição do encontro com Getúlio Vargas, idem ( ver trecho abaixo).
O Joel que fica é o repórter talentosíssimo, o precursor brasileiro do chamado "novo jornalismo", a "víbora" divertida e ferina.
Joel foi mestre e amigo. A morte é, como sempre, uma piada de péssimo gosto. O Joel de nossas lembranças vai ser sempre este:
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O DINOSSAURO JOEL SILVEIRA EVOCA O POETA : "DEUS EXISTE,MAS NÃO FUNCIONA"
Eis a víbora : esparramado numa poltrona na sala deste apartamento na rua Francisco Sá,quase no limite entre Copacabana e Ipanema, Joel Silveira acompanha com um certo ar de enfado o telejornal da TV a cabo.O peso dos oitenta e três anos é visível no olhar mortiço. O aparente cansaço diante do desfile de horrores planetários e provincianos no telejornal não impede o velho repórter de soltar imprecações contra –por exemplo – o Excelentíssimo Senhor Presidente da República. Quando o presidente FHC aparece no no vídeo,Joel não resiste :
- É o tipo do presidente que sabe falar mas não sabe dizer .Fala mas não diz.Nunca vi falar tanto,sobre qualquer assunto.Aparece mais na TV do que anúncio de Coca-Cola.Tenho a impressão de que todo dia,ao acordar,logo de manhã,Fernando Henrique se vira para um assessor e pergunta : “Por favor,qual é o mote de hoje ?”. O assessor diz -por exemplo- “indústria siderúrgica”.E aí ele se dana a falar sobre indústria siderúrgica o dia todo.Um dia depois,muda de mote.Assim por diante,até o fim dos tempos.
Desde o ano passado , Joel brinda os leitores da “Continente Multicultural” com as tiradas ferinas do “Diário de uma Víbora”. Não foi por acaso que Joel recebeu de Assis Chateaubriand o título de “víbora” : um de seus esportes prediletos sempre foi destilar veneno e ironia em doses industriais. Em artigo que entrou para a história do jornalismo brasileiro, pintou,com palavras elegantes e irônicas,um retrato devastador das grã-finas paulistas,na década de quarenta.
Num país em que tantos títulos são injustamente atribuídos , o rótulo inventado por Chateaubriand para definir Joel é um exemplo de justiça. Além do apelido de “víbora”,Joel carrega também um título que o acompanha há décadas – o de “maior repórter brasileiro”. Se algum entrevistador fizer menção a este título honorífico ,Joel balançará a cabeça como se estivesse contrariado com o possível exagero,mas,na hora de dormir,quando for trocar confidências com o travesseiro,terá de admitir que a homenagem não soa de forma alguma despropositada. Pouquíssimos repórteres já cultivaram, como Joel,uma paixão tão inabalável pela reportagem. Nunca quis ocupar os cargos –eventualmente bem pagos – que se ofereciam,tentadores,na retaguarda das redações. Sempre fez a opção preferencial pelo “mundo exterior” . Porque desde cedo aprendeu que a boa reportagem precisa ser caçada na rua,feito touro bravio. Faz mea culpa quando se lembra dos períodos de tempo que extraviou na retaguarda das redações,como burilador de textos escritos por outros repórteres :
- Os chefes mandavam que eu transformasse cinco laudas em dez linhas. Tinha de cumprir a ordem. Eu deveria ser preso : já fui assassino de textos alheios.
Poucos terão –como Joel - um texto que reúne com tanta maestria Jornalismo e Literatura. A nossa víbora descreveu assim a cena que viveu depois de sair do Palácio do Catete,no Rio de Janeiro,ao fim de uma tentativa frustrada de entrevista com Getúlio Vargas :
- "Lá para a meia-noite,entrei no Danúbio Azul,um bar que não existe mais numa Lapa que também não existe mais; e lá fiquei até que a manhã me fosse encontrar – uma das mais radiosas manhãs de abril já neste mundo surgidas,desde que existem mundo e manhãs de abril".
Pergunta-se : em que jornal ou revista se lêem hoje textos dessa qualidade ? A resposta é um silêncio ensurdecedor.Joel pode exercer aqui e ali um lirismo que já rendeu páginas memoráveis,mas nunca abandonou o gosto pela maledicência.Adora falar mal de da fauna humana – aí incluídos personagens perfeitamente inofensivos,como,por exemplo,os alpinistas,os turistas e os tocadores de cavaquinho.É pura implicância.Cheio de certeza,constata :
-“O cúmulo do ridículo, beirando o grotesco,é um marmanjo, gordo e barrigudo, tocando cavaquinho”....
Adiante ,pergunta,a sério : -Pode existir coisa mais idiota do que um alpinista ? Por que é que eles não pegam um avião,meu Deus do céu ? Por que não vão de helicóptero ? Pra que subir naquelas montanhas,se eles poderiam ver tudo da janela de um avião,no maior conforto ?
Provoco a víbora. Quero saber quem ele não levaria sob hipótese alguma para uma ilha deserta,se fosse condenado a passar o resto da vida isolado do mundo :
- Eu não levaria João Gilberto de forma nenhuma,com aquele violãozinho,uma coisa horrorosa. Aliás,o melhor talvez fosse deixá-lo numa ilha deserta,sem violão ! Assim,eu poderia ir embora. Não entendo o fenômeno João Gilberto : é um dos mistérios que minha inteligência não consegue alcançar. Eu até me esforço para entender tanta idolatria,porque ,como sou repórter, gosto de saber das coisas.Mas confesso que não consigo.
Joel nunca morreu de amores por um ex-colega de redação que entraria para a galeria dos brasileiros notáveis do Século Vinte : - Eu nunca disse que não gostava de Nélson Rodrigues.Apenas convivi pouco com ele. Fomos colegas de redação.Gosto da peça “Vestido de noiva”,mas a verdade é não nos entrosávamos. Uma vez,eu estava escrevendo alguma coisa - escrevo depressa na máquina, porque no fundo sou mesmo é um bom datilógrafo.De repente, Nélson Rodrigues caminha em minha direção,fica parado diante de mim com um cigarro pendendo na boca e exclama: “Patético !”. Em seguida,foi embora,em silêncio. Quando acabei de escrever, fui até a mesa de Nélson – que batia à máquina com dois dedos – e fiz a mesma coisa. Fiquei em silêncio vendo-o escrever.Depois,disse,simplesmente : “Dramático ! ”. Fui embora. Nosso único diálogo resumiu-se a estas duas exclamações – “patético” e “dramático”.
Depois de seis décadas de jornalismo, que outros tipos a víbora Joel incluiria na galeria nacional do ridículo,além dos tocadores de cavaquinho gordos e alpinistas ?
- Eu incluiria o turista numa Galeria Internacional do Ridículo.Porque o turista é de um ridículo sem par. De bermuda, cheio de máquinas penduradas no pescoço,suando em bicas, é roubado a toda hora nos restaurantes. Ridículo é também o velho que quer parecer moço- aquele que pinta cabelo, rebola e faz uma operação plástica por mês.
Joel vai fazendo confidências nesta tarde em Copacabana. Diz,por exemplo,que ouviu uma confissão de fraqueza de um dos maiores cronistas já surgidos no Brasil,Rubem Braga - um amigo do peito que até hoje lhe dá saudade. Os dois – Joel e Braga – foram correspondentes de guerra na Europa. Joel resolveu dar de presente a Rubem Braga um exemplar de um livro clássico de Stendhal – “O Vermelho e o Negro” . Semanas depois,Braga confessa a Joel que não conseguira de forma alguma passar da página noventa e dois do livro.O motivo :
- Rubem me disse que tinha interrompido a leitura porque o livro tinha personagem demais.E ninguém ficava parado....
Joel confessa que nunca conseguiu chegar ao final de “Os Irmãos Karamazov”,a obra-prima de Dostoievski. Agnóstico,alista-se entre os que concordam sem vacilar com o que disse o poeta Murilo Mendes :
-Deus existe,mas não funciona.
Cinco da tarde. É hora de dar um descanso ao guerreiro.Depois de tanta pergunta,peço que a víbora responda a um mini-interrogatório.
São apenas cinco as dúvidas que quero tirar. É claro que ele aceita a proposta.Lá vai:
1 GMN : Quem foi a celebridade mais idiota que o senhor conheceu ?
Joel : “Deus me perdoe,mas foi o Papa Pio XII.Fui a uma audiência com ele no Vaticano.Diante do nosso grupo ,ele disse :”Brasileiros ? O português é uma bela língua. “Sabia” é do verbo saber. “Sábia” é uma mulher inteligente.”Sabiá” é um pássaro”. Que idiotice !”.
2GMN : Se fosse escrever uma autobiografia,que fato vexaminoso o senhor faria questão de esconder ?
Joel : “Uma vez,em Roma,depois da guerra,vi Ernest Hemingway tomando conhaque sozinho num bar que ele costumava freqüentar.Fiquei em dúvida sobre se deveria abordá-lo.Fui ao banheiro remoendo a dúvida.Quando voltei,ele já tinha ido embora.É um dos meus grandes fracassos profissionais.O pior que poderia acontecer seria levar um soco de Hemingway.Nesse caso,pelo menos o lead estaria garantido”.
3GMN : Se o senhor fosse nomeado ditador de Sergipe,qual a primeira providência que tomaria ?
Joel : “Proibir a entrada de João Gilberto no Estado. Já seria um bom começo.Não existe nada tão chato quanto a Bossa-Nova”.
4GMN : Qual a cena mais grotesca que o senhor já testemunhou ?
Joel : “Não precisa ir longe.Basta desembarcar num boteco qualquer do Rio numa noite de sábado.Repito : não existe nada mais grotesco do que um sujeito barrigudo e suado tocando cavaquinho”.
5GMN : De quem o senhor não compraria um carro usado ?
Joel : “Não quero parecer ranzinza,mas alguém pode me dizer para que servem os alpinistas ? Por que aqueles idiotas não pegam um avião para olhar as montanhas do alto,em vez de tentar a subida ridiculamente amarrados em cordas ? . Eu jamais compraria um carro de um alpinista.Não se pode confiar em seres que não têm senso de ridículo”.
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(outros diálogos com a víbora Joel Silveira aqui: http://www.geneton.com.br/archives/000104.html)
A nova estética: FILHISMO
"Badalado nome do chamado "cinema de autor", Karim Aïnouz ("Madame Satã", "O Céu de Suely"), 36, conta que havia parado de ver TV há anos, por razões "ideológicas marxistas".Diretor de filmes absolutamente distantes da linguagem melodramática da televisão, Aïnouz se surpreendeu com o convite para a direção do seriado "Alice", do canal HBO, que será veiculado no Brasil e na América Latina em 2008.Para encarar o projeto, decidiu ver novela. "Assisto a "Paraíso Tropical" todos os dias. Sei tudo o que acontece com a Paula e a Taís", conta, rindo. "Sempre digo que meus filmes não são de história. Meu desafio agora com "Alice" é narrar, fazer as pazes".