12 de novembro de 2007

DEMOCRACIA

Sexta-feira assisti à entrevista de Arnaldo Jabor no Jô Soares. Sim, às vezes também assisto ao Amaury Jr., caros leitores. E não perco o Roda Viva. Trata-se de um ato sagrado para mim: a autoflagelação.

Jabor comunga com Caetano Veloso de uma característica ímpar, que sempre me impressionou: ambos são capazes de dizer algo absolutamente genial num instante e, no seguinte, a maior idiotice jamais ouvida. Talvez o fato se relacione aos hemisférios cerebrais. No caso de Jabor, claro, pois, como se sabe, o baiano nasceu desprovido deles.

Na entrevista de que falo, Jabor estava muito agradável e teve um gesto dos mais dignos quando disse não ter opinião formada sobre a obrigatoriedade do imposto sindical. “Não sei”, falou, coisa que jamais escutei na televisão, lugar por excelência de gênios conhecedores de Tudo, a Enciclopédia do Conhecimento.

(Aliás, o próprio Jabor faz parte de um fenômeno cultural mais amplo e bastante disseminado atualmente na imprensa. Na Renascença e na Antiguidade, a polimatia era regra entre sábios. A modernidade trouxe a figura do cientista especializado no seu ramo científico. A pós-modernidade, por sua vez, estimula a polidoxia: o sujeito é especialista em tudo, ainda que não saiba de nada.)

A dada altura da entrevista, o comentarista político soltou uma daquelas inverdades que, de tão repetidas, acabam perdendo o prefixo: o governo FHC enfrentou ferrenha oposição do PT, enquanto a oposição ao atual governo é pífia.

Minha memória não é boa, caros... caros... Enfim, minha memória não é boa, mas eu me lembro, por acaso, de que foi no período FHC que se cunhou a expressão “rolo compressor do governo” para a aprovação pura e simples das matérias de interesse do Planalto no Congresso. Afinal, a base governista contava nada menos que com os três maiores partidos da Casa. Podia aprovar o que bem queria, inclusive enterrar uma série de CPIs.

Por outro lado, o PT não tinha o tamanho que tem hoje. Fazia barulho, mas o resultado prático de sua oposição era praticamente nulo. A não ser em matérias de interesse do governo que se encontravam mais à esquerda no espectro ideológico e não encontravam eco na base aliada, o governo não era forçado a conversar com a oposição.

No governo FHC se aprovou pelo menos uma aberração política e jurídica: a reeleição para beneficiar políticos no exercício do cargo, coisa que até o faxineiro do Congresso sabe inconstitucional. Isso, para não se falar na suposta compra de votos para aprová-la. Suposta, claro, pois não houve CPI. Tampouco o assunto foi aprofundado pela mídia.

A mídia, em tempos de democracia, talvez nunca tenha sido tão condescendente com um governante. FHC encantava os jornalistas. Um ou outro colunista, sim, descia a lenha no Príncipe. Nos artigos de opinião, permitia-se. Nas matérias, no entanto... Basta dizer que até hoje é tabu nas redações um simples caso extraconjugal que FHC teve com uma jornalista.

Ora, alguém é tão ingênuo a ponto de achar que mensalão ou coisa que o valha é obra deste governo? O que este governo tem de diferente do de FHC, além do pouco domínio do idioma, é justamente aquele que talvez seja seu único mérito: é investigado. Exaustivamente investigado. Pelo Congresso, pela mídia.

A partir de matérias aprofundadas, por exemplo, a imprensa transformou a denúncia inicial de Roberto Jefferson em um escândalo sem precedentes. Sem precedentes, porque jornais e revistas fizeram seu papel: investigaram, denunciaram, aproveitaram-se do operoso trabalho parlamentar, que conseguiu criar uma CPI.

Aliás, neste governo foram criadas várias. No governo FHC, a impressão é de que nada se investigava: nem o Congresso, nem a imprensa, nem o Ministério Público. O Procurador-Geral da República então tinha a alcunha de “engavetador-geral”. Ou a memória de vocês é pior do que a minha?

Paremos, portanto, de repetir tolices — não é preciso, o atual presidente já as diz em abundância — e sejamos honestos: apesar do PT e a despeito da inoperância, o governo petista é garantia, ao menos, de que nem toda a sujeira endêmica que atravanca o país há séculos será empurrada para debaixo do tapete. Ainda que isso independa de sua vontade, claro.

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