23 de agosto de 2007

“Bogotá, Bogotá, tão bonitiiiiiinho!”, ou de onde não se espera nada é que não sai nada mesmo

No site do MinC:

Bogotá 39 Escritores Menores de 39

Concurso de literatura realizado pela prefeitura de Bogotá em parceria com o Hay Festival

Quatro jovens escritores brasileiros foram selecionados no concurso literário Bogotá 39 Escritores Menores de 39 realizado pela prefeitura da cidade de Bogotá (Colômbia), em parceria com o ‘Hay Festival’, destinado a conhecer e divulgar a obra dos novos autores latino-americanos com menos de 39 anos. José Paulo Cuenca, Adriana Lisboa, Santiago Nazarián e Verônica Stigger são os brasileiros escolhidos.

Eles foram convidados a participar do encontro dos 39 melhores narradores latino-americanos selecionados no concurso, que vai ocorrer em Bogotá, entre os dias 23 e 26 de agosto de 2007. O concurso faz parte das atividades de comemoração da escolha da cidade colombiana como ‘Capital Mundial do Livro em 2007′, feita pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Em Bogotá, os jovens autores devem participar de palestras em universidades, bibliotecas públicas, museus e na Cinemateca Distrital da cidade, onde vão falar sobre os livros que escreveram, sobre os autores que os influenciaram e sobre o momento atual da literatura na América Latina. A seleção dos jovens escritores foi realizada por um juri de três destacados novelistas colombianos: Piedad Bonnett, Héctor Abad Faciolince e Óscar Collazos. Os nomes para o concurso foram apontados em uma consulta feita, pela Internet, aos leitores, editores, agentes literários e escritores, nos países latino-americanos.

Difusão da Literatura

O coordenador geral de Livro e Leitura da Fundação Biblioteca Nacional (FBN/MinC), Jéferson Assumção, considera o programa Bogotá 39 uma grande idéia, que pode render importantes frutos pois, “visa mapear a nova literatura de um continente reconhecido mundialmente por sua produção de altíssima qualidade”, comentou. Ele disse que o projeto é um grande instrumento para a difusão da literatura latino-americana e integração regional, favorecendo a exportação de títulos dos novos autores.

Ha! Ha! Ha! Era só o que me faltava. Quer dizer então que João Paulo Cuenca (identificado como José na matéria) e Santiago Nazarian são dois dos 39 melhores narradores latino-americanos com menos de 39 anos? Eu fico imaginando quem eram os outros que competiam com eles. Não vou colocar Adriana Lisboa e Verônica Stigger no meu comentário porque não li seus livros. Fica para a próxima.

Voltando à vaca fria, Cuenca, em seu livro Corpo Presente, é autor de frases esplendorosas como essa:

Mesmo morta você está quente, Carmen. Eu não consigo fazer você morrer em mim. Sei que você está aqui neste quarto, mesmo não estando.

Caetano Veloso perde, pois não? É, meus caros leitora e leitor, Corpo presente não é só feito de frases ruins, mal elaboradas, tolas. É inodoro, incolor, insosso, com personagens fracos e o desfile de escatologias próprio de parte dos novos escritores brasileiros que hoje em dia ainda acha que pode chocar com palavrões e bizarrices. Maus escritores pioram com o tempo. Está aí Rubem Fonseca que não me deixa mentir. Por isso, não adianta esperar que Cuenca melhore. O que me intriga é o sucesso conquistado por esse rapaz. É a prova cabal de que a culpa pelo sucesso de um mau escritor não é só dele. É compartilhada com quem o publica; com quem o saúda como talentoso; com quem compra seus livros; com quem, por omissão, permite a celebração de uma fraude.

E vamos ao Marilyn Manson da jovem literatura nativa: Santiago Nazarian. Ele já começa assim o seu Mastigando humanos:

Eu fiz uma longa viagem para chegar até aqui. Não nasci em berço de ouro, para depois ser jogado na privada. Nem fui criado às margens desta poluída cidade. Tive uma infância e adolescência ordinárias, como a maioria da minha espécie, e talvez tenha até demorado um pouco para seguir meu próprio caminho, mas não demais. Afinal, os caminhos abertos a nós sempre foram abertos por outros, não são nossos, real ou exclusivamente.

O narrador é um jacaré. Longe de mim querer julgar um jacaré, qualificado na orelha do livro como “urbano, frustrado e existencialista”, mas o existencialismo chinfrim que Nazarian destila no livro não pode ser do jacaré. Por eliminação, é do autor mesmo. E, faça-me o favor, nem estudante de primário na redação sobre as férias escolares pode escrever “os caminhos abertos a nós sempre foram abertos por outros, não são nossos, real ou exclusivamente”.

Mas não é só isso, e peço sua paciência para apenas mais um trecho:

Então voltei para a minha solidão acadêmica, onde eu ainda podia exercitar meu maxilar. A cela feita à minha medida, a focinheira que me permitia respirar, o preservativo sem o qual eu nunca poderia tocar o interior de outro ser… Lassidão.

Tocar o interior de outro ser? São Cosme e Damião me protejam.

Fico imaginando sempre quais foram as leituras, estudos e prática de escrita que autores como Cuenca e Nazarian se permitiram, imaginando, claro, que se permitiram a ler, estudar, escrever, reescrever, lapidar. E todos eles têm explicações na ponta da língua para suas obras ruins. No site do Nazarian, a explicação dele:

Autores de literatura são covardes. Eles querem ser respeitados, aceitos como “elite”, então têm medo de usar elementos que pertencem à literatura pop ou que não sejam exatamente de bom gosto. Os autores jovens, por exemplo, cresceram com cultura pop, mas negam isso em seus textos porque querem escrever como “velhos autores”, querem ser aceitos por eles, não se arriscam a trazer algo novo. Eu mesmo tinha esse preconceitos; meus três primeiros romances são bem trevosos e depressivos, e eu achava que literatura de respeito deveria ser assim. Mas comecei a mudar meu ponto de vista quando escrevi “Mastigando Humanos”, comecei a ver que eu poderia fazer mais como “autor jovem”, podia trazer algo novo, não devia negar meu repertório pop. Então coloquei Godzila ao mesmo tempo em que coloquei o corvo do Poe no meu texto, por exemplo. Acho tolo um autor jovem querer escrever como um “senhor autor”. Eu vou ser velho num minuto, neste instante, eu devo tentar outras coisas.”

Para Marilyn Manson Nazarian, autores que querem escrever bem são covardes. E mais: fazem literatura, não porque nasceram para tal, mas com o objetivo único e exclusivo de serem aceitos. Nazarian acha que o que faz é novo. Ignora, por ignorância ou má-fé, parte da história da literatura mundial que já tratou com qualidade dos temas que ele aborda, algo que ele ainda não conseguiu fazer. O problema não é negar o “repertório pop” (argh!), afinal, é o único que ele tem. O problema é tornar o repertório, para usar uma palavra do moço, em literatura de qualidade. A questão não é de repertório; é de talento, exercício e superação. Não me parece que ele e seus pares tenham isso em mente. Ou se têm, não nasceram mesmo para a coisa. Fazer o quê, né?

POSFÁCIO

O site que apresenta os autores abre com uma pergunta: ¿Hacia dónde va la literatura latinoamericana actual? Se depender de Cuenca, Nazarian et caterva, a lugar algum. Ou melhor, para o pior lugar possível. Porque, você bem sabe, de onde não se espera nada é que não sai nada mesmo.