4 de agosto de 2007

O caldo de cultura, ou de onde não se espera nada é que não sai nada mesmo

N’O Globo:

Batidão cultural

Novos autores brasileiros listam suas preferências e influências na
literatura e em outras artes

Avaliações sobre sua qualidade podem variar, mas a exuberância numérica da nova literatura brasileira é inquestionável. Às vezes usando blogs para divulgar seus textos, o que fez com que de início recebessem a detestada qualificação de “escritores de internet”, vários novos autores movimentaram a vida literária brasileira neste começo de século. Muitos chegaram, os últimos anos, às principais editoras do país.

Nos ainda raros esboços de um olhar mais amplo sovre os livros dessa tropa numerosa, é a multiplicidade de temas, estilos e filiações que tem sido observada com mais freqüência. A mesma coisa, por sinal, que se dizia dos escritores brasileiros surgidos nos anos 1990, e que afinal pode-se dizer de qualquer geração de escritores. Numa época em que os alinhamentos coletivos das vanguardas artísticas e ideologias políticas estão desacreditados, é natural que a pluralidade caracterize as produções culturais. Mas essas constatação não chega a mostrar em quê, se em alguma coisa, a chamada nova literatura brasileira se distingue da não-tão-nova, da velha ou da remotíssima. A “Geração 00″ não teria em comum nada além das divergências?

Uma vez Diogo Mainardi me disse que quase nada o interessava na literatura atual. Quando mais mergulho nas leituras e estudos mais me sinto igualmente deslocado no tempo e no espaço ao ver a maior parte desses novos autores e o que se publica nos cadernos literários. O caderno Prosa & Verso tem sido imbatível no que chamo de Nível Neusalau. E na ânsia ou expectativa de ser vanguarda ou estar por dentro das novas tendências (isso parece comercial de loja de roupas, não?), o caderno tem divulgado novos autores. Algum problema, Garschagen? Problema algum, desde que se faça uma abordagem crítica ou uma boa seleção. Não vejo nem uma coisa nem outra.

De que vale uma reportagem como a de capa do caderno de hoje? Tentar estabelecer ou perceber uma identificação entre os escritores a partir de suas influências ou leituras? Bobagem. Bobagem, aliás, desmentida na própria reportagem:

Numa época em que os alinhamentos coletivos das vanguardas artísticas e
ideologias políticas estão desacreditados, é natural que a pluralidade
caracterize as produções culturais. Mas essas constatação não chegam a mostrar
em quê, se em alguma coisa, a chamada nova literatura brasileira se distingue da
não-tão-nova, da velha ou da remotíssima.


Outra parte que demonsta a intenção do caderno em encontrar similitudes e assim justificar a ideía de uma geração de escritores, identificada como “Geração 00″, é a opinião sensata e reveladora do escritor Antonio Prata ao dizer que as listas eram “muito mais uma ‘carta de intenções’, um ‘o que gostaríamos de ser’, do que uma verdadeira busca sobre as origens de nossa escrita”

Uma nota importante: a matéria fala o tempo todo de forma incorreta em “nova literatura brasileira”. Novos autores não representam, a priori, a nova literatura brasileira, que só pode ser identificada como tal se houver alguma novidade na forma ou nas idéias, e por essa seara a matéria não envereda. Digo eu: não há nem uma coisa nem outra nos 17 escritores convidados a listar o que consideram os “melhores escritores da história”.

Outro ponto equivocado é quando o repórter Miguel Conde tenta remir esse grupo de escritores do que chamo de “maldição Charles Bukowski”. Diz Conde que o fato de alguns autores da literatura beat terem recebido poucos votos demonstra cabalmente que essa “Geração 00″ não pode ser acusada de “admiração massiva pela literatura beat” e que, assim, estaria morto e enterrado “o mais persistente e disseminado clichê sobre os novos autores brasileiros”. O repórter mistura alhos com bugalhos e tenta daí extrair uma sopa saborosa. Em vão. O caldo que daí sai fede e é intragável. Por qual razão, Garschagen? Simples, meu caro Barão de Münchausen: era a “Geração 90″ que tinha essa influência declarada e nefasta de Charles Bukowski e dos beat, não o que o caderno tenta identificar como “Geração 00″. Aliás, como pode haver geração sem pontos em comum? O que há é um grupo numeroso e bastante irregular na qualidade da obra escrevendo num mesmo período. Falar de “geração” só não é uma tolice monumental porque é uma inverdade, pura e simples.

PS: Não vou comentar as escolhas pessoais de cada escritor (e algumas são ótimas). Mas sugiro uma olhada e posterior cotejamento com o que o escritor produziu. Escritores que citam Caetano Veloso e Bob Dylan como referências não merecem nem o tronco, que dirá uma leitura (Bruno Garschagen.