Quer assistir - de graça - a um filme de terror ? Vá para um shopping center esta semana. Fique num canto do corredor. Observe atentamente a Grande Procissão de Idiotas. Você assistirá - de graça! - ao desfile de uma interminável galeria de personagens e cenas aterrorizantes, só comparáveis aos da série Sexta-Feira 13:
*bobões de bermuda e tênis devidamente acompanhados de uma perua entupida de sacolas que, com toda certeza, o trata de "benzinho", "amoreco", "fofura" ou estupidez parecida. Você vai ver de perto : o ente chamado pelo diminutivo é um (ou uma) hipopótomo(a) de cem quilos, no mínimo.
*crianças correndo de um lado para outro e repetindo para pais apalermados o mantra mágico: "compra! compra! compra!"
*um Papai Noel empapado de suor e louco para ir para casa logo
*um jornalista famoso uma vez declarou, numa entrevista, que somente uma em cada mil mulheres pode mostrar os pés em público. O autor da descoberta aparentemente esdrúxula nunca teve tanta razão. O corredor do shopping é um excelente ponto de observação: se prestar atenção, você testemunhará um horripilante desfile de pés feíssimos . Se tivessem um mínimo senso estético, as donas de tais aberrações poderiam simplesmente cobrir os pés com um sapato. Tão fácil! Mas, não : elas os exibem com o orgulho e a cegueira típica dos estúpidos, aparentemente sem notarem a gravidade do atentado que estão cometendo contra os olhos alheios ao desnudaram seus pés cheios de calosidades, joanetes, dedos tortos, deformações de toda espécie - um catálogo de horrores rastejantes.
*vendedoras que abordam os compradores com um sorriso falso colado no rosto e a pergunta irritante: "posso ajudar ?". Não, anta! Não pode nem deve! Sou perfeitamente capaz de escolher uma camiseta sozinho!
*lojas de disco entopem os canais auditivos dos transeuntes com lixo de septuagésima categoria;
trinados de cantoras baianas histéricas; sons indescritíveis emitidos por sertanejos; versos vomitivos expelidos por sub-cantores de pagode, daqueles que usam gel no cabelo. Você tenta escapar, mas não consegue. logo ali, adiante, outra loja repete o vômito sonoro,como numa interminável sessão de tortura.
*depois de quatro horas de observação, você se retira silenciosamente, passa no banheiro para, inspirado na paisagem circudante, dedicar-se a uma discreta sessão de vômito e parte para o cinema. Mas desiste de entrar antes até de olhar os cartazes, porque não quer correr o risco de se expor a nova - e fatal - dose de estupidez: e se a atração oferecida for um filme da Xuxa ?
Tomado de uma discreta felicidade por estar abandonando aquele inominável espetáculo de terror, você se dirige à porta de saída, olha com cara de Jason para alguém que se aproxima com um folheto de propaganda e, finalmente, ao chegar à calçada, como se quisesse purificar os pulmões, aspira com toda força o ar de dezembro, não sem antes repetir para si mesmo em voz baixa: "Never more! Never more! Never more! Never more!".
Fica intimamente feliz por escapar da masmorra. Começa, então, a caminhar, discreta mas firmemente, para o mais longe possível daquele circo de horrores, rumo a um ponto que só você conhece, um porto precário mas, graças a Deus, inacessível aos outros, um ancoradouro onde tudo é silêncio, solidão e genuína felicidade, a dezenas, centenas, milhares, milhões de anos-luz de distância daquele espetáculo patético.
A felicidade - você aprende, tardiamente - pode ser simples assim, sem dramas nem atropelos. Você se lembra do personagem de um livro antigo que sonhava com "luz,altura, claridade".
Sem querer, como se fosse um turista desavisado que entra na rua certa sem saber, você descobre que acertou o caminho , sem precisar incomodar os outros com perguntas inúteis. É melhor assim. Sempre foi. E será.
E, ah, a maior de todas as conquistas : consegue caminhar aliviado em meio ao inferno de dezembro.