Byron Sarinho era um advogado e militante político. Combateu o regime militar. Era um dos principais articuladores de campanhas eleitorais da oposição. Comunista, elegeu-se vereador e deputado estadual depois da redemocratização do país. Eu o conheci. Impressionava pela vivacidade, pelo senso de comandoo, pelo ardor com que discutia política num Estado dividido entre esquerda e direita, como era Pernambuco.
Num gesto que até hoje causa perplexidade em quem o conheceu, ele preparou - na surdina, é óbvio - cada detalhe do suicídio: pagou todas as contas, transferiu bens para o nome de familiares, dispensou a visita da empregada,
sentou-se no sofá da sala do apartamento em que vivia sozinho, no décimo sexto andar de um edifício chamado Caeté, na rua da Aurora, no centro do Recife - e deu um tiro na boca,por volta das nove da manhã do dia doze de novembro de 2002. Tinha duas filhas. Não estava doente. Não enfrentava problemas financeiros. Não sofria de depressão ou algo parecido.
O motivo do suicídio: Byron tinha resolvido estabelecer para si um limite máximo de idade: sessenta anos. Não queria envelhecer. Não tinha disposição para enfrentar a decadência física.
Eis o texto que ele escreveu:
"Recife, novembro de 2002
Peço mil perdões a papai, às filhotas Ciça e Vic, a irmãs e demais parentes, amigos/as, companheiros/as, colegas. Sei que estou lhes causando perplexidade, aflição, dores, saudades. Mil perdões, repito. Mas tenho certeza de que, superado este choque de agora, todos compreenderão que fiz o melhor para vocês e para mim.
Um apelo: não procurem chifre em cabeça de cavalo, não há, no meu gesto, decepção, drama, loucura ou tragédia. Não existem problemas ou fatores específicos, em qualquer campo – profissional, afetivo, político, financeiro, de saúde, etc.. Não estou agindo movido por qualquer acontecimento súbito ou isolado. Trata-se, muito pelo contrário, do desfecho lógico de um longo processo, de uma atitude racional, tranqüilamente amadurecida e planejada.
Minha motivação é somente uma, e sobre ela já venho lhes falando/escrevendo há muito tempo: não quero, não devo e nem posso ficar (mais) velho. Não pela idade em si, mas pelo inevitável cortejo de privações, desconforto e sofrimento que ela traz particularmente para alguém como eu, que vive (e ainda vivo) sem suportar limites e restrições.
Vejam, por favor, as coisas por outro ângulo. Pensem no que todos estamos evitando: um velho pobretão, irritadiço e nostálgico da juventude. Na melhor hipótese, cheio de achaques; na pior, dependente ou até inválido. Vade retro! Este transtorno de agora, acreditem, é bem menor e mais passageiro do que o monumental estorvo que estou lhes poupando.
A verdade é que nunca me preparei para ser idoso. E se minha vida ainda está bem razoável – para um sessentão, óbvio – por que tenho que esperar o pior, para mim e para as pessoas queridas? A saída tem que ser agora, antes que eu ultrapasse a marca dos 60 anos.
Pensemos positivo, então. E aceitem um saudoso adeus, milhões de beijos do BYRON SARINHO.
Ps. Se, mesmo com os pouquíssimos bens que tenho, for imprescindível um inventariante, proponho que seja Sônia, minha irmã e comadre"
(aqui, outro texto em que Byron especula sobre as possíveis agruras da idade:
http://www.byronsarinho.com/byr-morte/morte-index.html)