2 de janeiro de 2008

DIALÉTICO DO MONÓLOGO

Vimos em “Despido de Razão” (ver post abaixo) invectivas de Jean-Paul Sartre contra Raymond Aron, que preferiu calar naquela ocasião. Mais de uma década depois, no entanto, o “ataque pessoal extremado” do autor de A náusea foi lembrado por Aron em suas Memórias. Aron explicou então seu silêncio diante das acusações de Sartre: não quisera assumir, em maio de 68, o papel de acusado – o que, segundo ele, equivaleria a reconhecer em Sartre o direito de julgá-lo. Não bastasse isso, o porta-voz da “maioria silenciosa” contou que não pretendia “descer ao nível de baixeza e de grosseria” em que o, para ele, arrogante Sartre caíra.

Sartre já tentara se justificar, dizendo que Aron “jamais entendera seus alunos”; e fora justamente o professor o alvo de seu ataque. “O professor hostil a seus próprios alunos”, como disse. De nada adiantou a desculpa: “A justificativa não vale mais que as injúrias”, garantiu Aron. Sartre acusara Aron de repetir a mesma coisa por mais de 30 anos, o que “não representava exercício de inteligência”. A resposta de Aron: “Essa frase pretende ser injuriosa; ela demonstra sobretudo a indiferença de Sartre para com a verdade.” Mas o autor de La révolution introuvable fez a ressalva: indiferença esta, ao menos quando a cólera dominava Sartre.

Ressalva por dever de justiça? Por esperança de reconciliação? O fato é que, para o estudioso da obra de von Clausewitz, a guerra continuava. Para Aron, Sartre falara, em maio de 68, como um demagogo, fosse para bajular os jovens ou por ignorância total da realidade. Esse juízo não o impediu de ainda perguntar, mais de dez anos depois, pelos motivos do que chamou de “explosão de raiva fria ou de cólera rubra” de Sartre.

Só para concluir: “O que me chocou em 1968 foi o caso de Sartre, homem do monólogo – se bem que alegasse pertencer à dialética.”