7 de fevereiro de 2009

O FIM DA CIVILIZAÇÃO: CHAMARAM IVETE SANGALO PARA FALAR DE MACHADO DE ASSIS NA TV!

Do blog de Marconi Leal: (http://www.marconileal.com) :

VISITANDO MACHADO DE ASSIS NO INFERNO

Já contei sobre o que me ocorreu no dia do centenário de morte de Machado de Assis? Se contei, repito, porque a memória de vocês é péssima. O que muito certamente decorre do hábito de lamber papel de seda. Segundo pesquisas recentes, o contato da saliva com o papel de seda é a segunda maior causa de perda de memória em todo o mundo. A primeira, claro, é eleger-se para cargo público.

Digo, portanto, o que me ocorreu. E é simples: nasci, como vocês, na República Federativa do Clichê. Ora, países erguem monumentos a seus artistas maiores ou constroem museus em sua homenagem. Já aglomerados de mestiços com certa tendência a batucar em caixas de fósforo e alguma propensão ao roubo, como o nosso, fazem algo mais cordial: para homenagear o único gênio que conseguiram produzir - certamente graças ao reumatismo de algum cegonha que evitava climas frios -, assassinam suas criações em minisséries ou põem especialistas em literatura como Ivete Sangalo em seu principal telejornal para falar sobre como Machado era jóia, meu nego, oxente, lindo, n’era não?

Vi aquilo e, meia hora depois, quando com a ajuda de minha mulher e de um pé-de-cabra consegui repor o queixo no lugar, resolvi fazer a única coisa que me restava, já que tenho terrível alergia a alojar balas nas têmporas: visitar o Velho e saber dele se tinha visto o que vi e o que achava de tudo aquilo.

Ora, vocês que além de desmemoriados são de uma ignorância de apresentadora de TV, não sabem. Mas o Aqueronte é um dos afluentes do Tietê e, como tal, leva ao inferno (não me refiro, óbvio, à Marginal). Logo, coloquei minha roupa de Teseu, que deixo preparada especialmente para essas ocasiões, peguei o ônibus 875M e, saltando, desci até o ponto exato em que o rio se abre para dar passagem a seres mitológicos e obras do metrô (não revelo a localização para que amanhã não apareça por ali uma série de sujeitos vendendo churrasquinho, tocando axé music e gritando: “Inferno é dez real! Tá acabando, bora! Inferno é dez real!”) e prossegui em minha peregrinação para o reino de Hades, eu e mais três cocôs que conheci no caminho.
Para encurtar: ao final de uma longo trajeto me vi diante de duas placas - à esquerda, Inferno Cristão; à direita, Hades. A entrada do inferno cristão era toda revestida de mármore italiano, contava com porteiros de libré e ar-condicionado central. A do Hades era uma picada coberta de sapos e até o Lasciate ogni speranza voi que entrate estava com as letras apagadas. Vejam vocês o que dois mil anos de cristianismo não fazem com a cultura.

Passei por Cérbero, que apenas miou, desdentado, e segui para a margem do rio, onde Caronte recolhia os mortos. Aproximei-me do velho barqueiro e lhe entreguei duas moedas de cruzados novos. Então percebi que o homem na verdade era Borges, o que me deixou alegre com a ironia, por um lado, e preocupado com a viagem, por outro, pois o barco seria obviamente guiado por um cego. Por via das dúvidas, roubei uma das moedas de volta.(CONTINUA)