Escrever uma resenha ou uma crítica impressionista, que é o que costumo fazer, me exige tempo de maturação pós-leitura. Nunca menos do que dois dias. É o prazo que preciso para o Tico e Teco dentro da minha cachola funcionarem a contento. Uma das razões pelas quais adoro ir ao cinema sozinho é não ter que fazer qualquer comentário à saída da sala de exibição. Honestamente, nunca sei o que dizer. É claro que posso soltar alguns muxoxos ou frases exaltadas, mas nunca será exatamente o meu pensamento dali a dois dias.
Meu tempo de reflexão passou a ser outro depois de exercitar o cérebro com a leitura focada para a crítica. É bom e é mau, pois passou a ser fruto de esforço o passatempo frívolo, não uma contingência da natureza. Para, digamos, relaxar, preciso fazer força.
Voltando à vaca fria, no caso dos livros, preciso mesmo de um período antes de escrever, de alguns dias só matutando. Já aconteceu de eu quase elogiar obras que me causaram uma primeira boa impressão, mas que não resistiram a algumas perguntas básicas que faço ao terminar a leitura para só depois escrever.
Já aconteceu também de eu não ter tido uma boa impressão numa primeira leitura e depois gostar. Madame Bovary, de Flaubert, é meu exemplo clássico. Me arrastei como um cão sem as patas traseiras na primeira leitura e fiquei achando aquilo tudo uma grande chatice, monotonia pura. Só que nos dias seguintes muitas imagens e frases não me saíam da cabeça. Eu ficava intrigado como isso podia acontecer se eu não havia gostado do livro. Como eu não havia lido com o propósito de escrever qualquer coisa sobre, esperei alguns meses, voltei à leitura e, ulalá, passei a adorar o livro.
Não tem aquela frase do Talleyrand, nunca sigas o teu primeiro impulso porque ele será sempre generoso? Pois é, levo essa máxima a sério porque meu tempo de reflexão e leitura é lento como tartaruga manca. (Bruno Garschagen)