12 de setembro de 2008

ÚLTIMA RESPOSTA A TOM CARNEIRO OU PEQUENA HISTÓRIA DA ESTUPIDEZ

Estava precógnita na primeira frase. Acentuou-se ao término de um segundo parágrafo. Desvelou-se parcialmente ao cabo de alguns textos. Até que, nas últimas horas, a imorredoura idiotia que impele pancrácios das mais variadas latitudes a classificar toda e qualquer alheta de erudição como “exibicionismo” — palavra anódina, de resto sintomática do mau gosto e da inestética dos parvos —, enfim foi excretada pelo oco craniano do Sr. Tom Carneiro.

O estratagema parido pelo Asno — devem ter-se apercebido os que ainda respiram — é reles e arcaico qual o Impression, soleil levante de Monet. Acata o desenvolvimento cediço da banalidade humana após séculos de democracia, imprensa livre, modernidade, massificação e semelhantes idiotices que tão bem revelam o grau de decadência da sociedade ocidental e engendraram o horror supremo: a ilusão de que a ralé não se constitui de indivíduos inferiores e almas precárias, que ela pode mesmo se alfabetizar e até — oh, suma apostasia! — criar obras de arte.

A completa e óbvia implausibilidade dessas quimeras isonômicas, como se sabe, não refreou o impulso pérfido dos filisteus — pelo contrário. Ante a comprovação de suas inextinguíveis incultura e esterilidade artística, a subgente deu à luz o Grande Sofisma, escape preciso e ardiloso, arma preferencial de cobardes de camarinha, padres, fêmeas e invertebrados: a idéia de que, em arte ou comunicação, o fundamental é ser simples, claro, direto, fácil, prosaico, medíocre.

Eis aí, em um parágrafo, a horrífera descrição do maior engodo da História, da estocada à treição que elevou alarves para sempre à condição de sábios, em fins dos oitocentos. Tão cínica escamoteação da ignorância e da falta de recursos criativos, repentinamente demudadas em virtudes por graça de um blefe assustador, renderia o báratro aos mistificadores na Grécia pré-socrática. Em Roma, o empalamento. Entre nós, tem forjado gênios.

Modernidade, pós-modernidade, contemporaneidade, solércia ou estultice. Qualquer que seja o termo purulento empregado para descrever esta época em que o horrendo ousa se declarar belo; inteligente, o perdulariamente estúpido; e descomplicado, o inábil e mal-acabado, é ela a principal responsável por sermos obrigados a sofrer a sem-cerimônia e o despudor com que um Sr. Carneiro qualquer, rematado palúrdio, se vê autorizado a imprecar contra termos que, em civilizações medianamente instruídas, deveriam ser de conhecimento, ao menos, do mais obtuso aristocrata.

Ah, espetáculo teratológico! Mais algumas décadas e, não duvido, finalmente regressaremos ao uso de flechas, desabilitaremos o aparelho fonador e aplicaremos o cérebro somente em tarefas cardinais, como as de servir de isca de pesca ou de enfeite para jardins.

Então, excogito, criaturas como o Sr. Carneiro, cuja maior realização intelectual foi ter decorado a tabuada do nove, liderarão manadas inteiras de bípedes; surdirá uma religião que idolatrará uma torradeira elétrica enferrujada como criadora eterna e indivisível do Universo; e com um único sinal (dois ou três giros do polegar ao redor da orelha) será possível transmitir todo o rol de sentimentos, memórias e raciocínios humanos.

Até que, por fim, restará uma solitária esperança de redenção: a de que hamsters ou guaxinins consigam salvar um resquício que seja de vida inteligente na Terra.