21 de junho de 2007

Uma tuia de vocês

Mario de Andrade, que escreveu "Macunaíma" mas não viveu o suficiente para assistir ao adjetivo "macunaímico" sentar praça no Congresso, ironizou, num poema, a superlatividade da língua portuguesa: "o admirabilíssimo ão". Se vivo, o telespectador Mario estaria sendo bombardeado pelo lugar-comuníssimo "muita gente", dito por cada dez entre dez apresentadores e repórteres de TV. "Muita gente na fila do aeroporto, muita gente aqui no motel, muita gente à espera que Romário faça dois mil gols."


Como quantificar muita gente? Deve-se usar a fórmula usada por decifradores de multidão: metro quadrado multiplicado por três ou quatro pessoas? A dona-de-casa, o aposentado e o servidor fantasma precisam mensurar, para que possam processar a informação corretamente. Para elevar a compreensão do brasileiro Homer Simpson, as emissoras deveriam editar em fascículos o livro "Homem e Multidões", de Lourival Fontes, chefe do DIP de Getúlio Vargas. Não se deve economizar verbas de produção para desvendar o enigma televisivo "muita gente"


Enquanto não se decodifica o abominabilíssimo "muita gente", o telespectador Mario vai continuar se deliciando com outras criações superlativas. Outro dia, se ouviu, com direito a trilha sonora de uma sanfona de oito baixos, a frase: "no pátio do forró, uma tuia de sanfoneiros..." Achei, e Mario de Andrade também acharia, a expressão "tuia" linda, sexy e original. Deve ser adotada "a nível" nacional: "uma tuia de passageiros na fila de espera..." Afinal, muita gente sabe o que é tuia. O admirabilíssimo tuia.