15 de agosto de 2007

Lembranças insensatas

Só estive uma única vez com o grande repórter Joel Silveira. Uma tarde solar, no apartamento dele, levado obviamente pelo também repórter Geneton Moraes Neto, a quem Joel sempre se referia como "essa coisa obsessiva", numa singela (auto)homenagem a todos os animais em extinção que vivem de e para (apenas) o ofício do jornalismo. Não fiz nenhuma pergunta a Joel Silveira, mas passei todas as horas azuis rindo, com suas histórias bem-humoradas. Nunca tinha me visto, mas me recebeu como se fosse a pessoa mais importante do planeta. Quando ainda bebia, soube, ficava rico, o que jamais foi, e distribuía fartas gorjetas com garçons e taxistas. Um boêmio generoso. Lamento apenas não ter tido a oportunidade de contribuir com essa suave insensatez alcoólica. Em homenagem ao "sargento" Joel Silveira (que detestava homenagens), um belo poema do grande poeta pernambucano Carlos Pena Filho (1929-60).

TESTAMENTO DO HOMEM SENSATO (Carlos Pena Filho)

Quando eu morrer, não faças disparates
nem fiques a pensar: “Ele era assim...”
Mas senta-te num banco de jardim,
calmamente comendo chocolates.


Aceita o que te deixo,
o quase nada destas palavras que te digo aqui:
Foi mais que longa a vida que eu vivi,
para ser em lembranças prolongada.


Porém, se um dia, só, na tarde em queda,
surgir uma lembrança desgarrada,
ave que nasce e em vôo se arremeda,


deixa-a pousar em teu silêncio,
leve como se apenas fosse imaginada,
como uma luz, mais que distante, breve.