Talvez chegue o dia em que o “subintelectual de miolo mole” Caetano Veloso – para usar uma expressão de José Guilherme Merquior – seja avaliado pelo que realmente é, e não pelo que parece ser. Num país em que Cazuza é tido como “poeta” – e, assim, é colocado na altura de W. B. Yeats, W. H. Auden, João Cabral de Melo Neto e Fernando Pessoa –, não impressiona que intelectuais, à moda José Miguel Wisnik e Marilena Chauí, tenham o prestígio de artista e que artistas, a exemplo de Chico Buarque e do próprio Caetano, sejam vistos como intelectuais. Uma coisa os une nessa oposição combinada: as idéias fora do lugar.
O próprio Caetano admite, o que é comovente, “nunca antes ter havido no Brasil uma figura popular com tanta pinta de intelectual quanto” ele. A modesta confissão está no texto “Discretamente aqui”, de 1972, incluído na coletânea O Mundo Não É Chato, que li para elaborar um texto para a revista Primeira Leitura e que acabou não vingando por lá. “Como Glauber (mais ou menos involuntariamente), tornei-me uma caricatura de líder intelectual de uma geração. (…) Na sua miséria, a intelectualidade brasileira viu em mim um porta-estandarte, um salvador, um bode expiatório”.
Não se engane com esse aparente dar de ombros. Caetano aproveitou o cavalo passar selado e montou. Foi essa miséria intelectual brasileira que o aceitou como um compositor popular que também “pensava”, algo ainda inconcebível no país. E a classe média inculta, ávida por ícones naqueles anos 60 e 70, o transformou num deus pop. Que muitas escolas e universidades passem para os alunos letras do compositor junto com a poesia de Camões, Olavo Bilac e Drummond, como se fossem equivalentes, é um sintoma do nivelamento por baixo, da confusão que se faz entre cultura e entretenimento, já identificada pelo poeta Bruno Tolentino na antológica entrevista à Veja.
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